terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Cristianismo em Saint Seya

Uma comparação entre a Atena de Saint Seya com o Jesus Cristo da Igreja de Pedro pode parecer incoerente em um primeiro momento, no entanto, traduzindo certas deixas apresentadas tanto em Lost Canvas quanto nos “Cavaleiros do Zodíaco” o original, algumas ressalvas são necessárias.
A Igreja Católica tem seus “santos” homens divididos entre padres, bispos e arcebispos. Dentre os arcebispos, um papa é escolhido quando se faz necessário (após a morte de um predecessor). Os santos de Atena se dividem entre bronze, prata e ouro – talvez em alusão as raças Hesiódicas – e, dentre os cavaleiros de ouro, um Grande Mestre é escolhido. Em inglês, o título de “Grande Mestre” é escrito como “Papa”. Assim como em muitas línguas (como inglês ou espanhol) o título "Santo" não, eu não sei como é em japonês permaneceu "Santo" e não "cavaleiro".
Um dos principais símbolos da Igreja Católica é o vinho, alusão ao sangue de Cristo. Nos cavaleiros do zodíaco, as armaduras dos cavaleiros que tocam o sangue de Atena, atingem níveis de poder muito altos, mas para essa comunhão o cosmos do próprio cavaleiro tem que se elevar (assim como o cristão há de estar purificado, após cantos de glória e perdão).
Enquanto o primeiro líder da Igreja Católica foi Pedro, o nome do Grande Mestre no manga original é Shion. O nome Shion é a versão em hebraico de João, o autor do Evangelho mais espiritualizado, propagador de um mundo cristão menos materialista e mais idealista. Curiosamente o personagem vem de um região no Oriente Médio, ou muito próxima. Enquanto os seguidores de Pedro espalham o sopro do Espírito Santo, os seguidores de Shion usam sua força espiritual e física (seus Cosmos) para trazer Amor, Esperança e Felicidade.
Mas porque Atena? Porque não outro deus grego qualquer? Primeiro, e mais óbvio, pelo caráter de Guerra justa que lhe foi atribuído uma vez interpretada pelo mundo cristão.
No entanto, uma coisa que liga Jesus à Atena é que os dois não vieram de uma relação sexual. Jesus nasce do encontro do poder de Deus com Maria. O poder de Deus é o espírito santo. Atena, por sua vez, nasce da cabeça de Zeus, posteriormente ao fato de Zeus ter engolido ninguém menos que Mnemosine, a memória, a salvação para os gregos antigos. A Mnemosine é, para os gregos, poder e sabedoria, a Salvação diante do ciclo reencarnatório.
E um fator totalmente voltado à questão grega é que resta a dúvida: porque Seya, cavaleiro de Pégaso, Hyoga (de cisne), Shiryu (dragão), Shun (Andrômeda) e Ikki (Fênix) não respeitam a hierarquia de poder estabelecida entre as raças metálicas? Ora, isto se deve ao fato de Hesíodo ter descrito uma raça que foge desta hierarquia: a raça dos heróis, a raça dos Semideuses que, por coincidência (provavelmente não) Seya e seus companheiros o são: todos são filhos de Zeus, eles não pertencem a categoria de Bronze, mas sim a dos Heróis. No mangá, esses “órfãos” tem pai: o Sr. Kido, a encarnação de Zeus.

Além das sombras

Uma prática bem interessante, depois que a gente começa a viajar naquele papo de construções e tal, perceber certas ironias entre as construções anatômicas e filosóficas, ou sociais e econômicas, religiosas e culturais, e aí vai... O assunto deste texto é a relação ver e a ausência da visão.
Por exemplo, na religião antiga nórdica vikings, Odin, martelo, etc nenhum poeta seria realmente poeta se não fosse cego.
A poesia era ligada fortemente com a magia. Até o todo poderoso Odin trocou um olho pelo direito de usar magia, mesmo que sendo um poeta/mago incompleto, uma vez que ainda poderia ver.
Isso nos remete a outros poetas/magos/médiuns antigos: os aedos, os poetas cegos do mundo grego. Mais uma vez, cá está: poeta CEGO.
Por que isso? Até o cavaleiro de dragão, Shiryu, vira e mexe tem que ficar cego no seu manga, Saint Seya, para enxergar além das ilusões. Uma vez para sair de um labirinto ilusório, outra para não ser petrificado pela visão de Medusa, outra ainda para ver os chakras de seu inimigo, o cavaleiro de Poseidon: Krishina.
No mesmo manga, o homem mais próximo dos deuses, o cavaleiro da constelação de Virgem, se priva da visão, para aumentar seus outros sentidos, mais espirituais.
Aqueles, em Matrix, que sabem que aquilo não é o real, usam óculos escuros. Neo, cego, acha o caminho até o deus da Matrix.
Todas essas relações trazem uma aproximação do cego, ou melhor, daquele que não possui a capacidade física de ver as coisas físicas, com as coisas, imagens, sentimentos, conhecimentos, poderes: espirituais. Como se os olhos fossem um canal para a ilusão (Maya).
E o mais próximo de nós: até a justiça – implacável contra as mentiras e ilusões – é cega. Ou melhor, vendada...
Platão e sua alegoria da caverna dizem que todos os seres humanos vivem em uma caverna e tudo o que vêem são sombras do algo real, na parede desta caverna. A realidade está fora da caverna. Aí está uma bonita ironia cultural: o cego nunca se iludiria com sombras na parede...

Civil War

A guerra civil americana, ou guerra da secessão (1861-1865), foi um confronto entre o Norte e o Sul, principalmente sobre o direito ou não de possuir um escravo. A guerra civil da editora Marvel foi uma guerra entre heróis dispostos a retirar a máscara e heróis não-dispostos.
O ato que separou os exércitos de Capitão América e Homem de Ferro determinava que todos os meta-humanos deveriam revelar suas identidades secretas e se submeter ao sistema de proteção norte-americano.
A Guerra Civil americana tem em comum o fato de que a questão é sobre seres humanos, e sobre o domínio que a sociedade exercem, ou não, sobre eles.
Os heróis não-dispostos a revelar suas identidades não queriam entrar em um sistema, eles não queriam trabalhar para o governo, isso iria expor as famílias desses heróis. O que, por exemplo, seria de Mary Jane se soubessem que seu namorado é o homem aranha?
Já o Sul não queria entrar em um sistema não-escravocrata. Queriam permanecer no modo de vida em que estavam. Tinham sua renda, seus negócios e assim estava bom para eles. Eles não queriam abrir mão de seus escravos.
Com o fim da escravidão, o Norte industrial poderia controlar a economia. O país seria melhor sob seu domínio econômico.
Com o fim do anonimato dos meta-humanos, o governo poderia controla-los. O país seria melhor sob seu domínio das forças super-humanas.
O debate é o mesmo: aderir ao sistema ou renuncia-lo.
Ao renunciar o sistema, os heróis se tornariam renegados. Levados ao nível de vilões, que deveriam ser combatidos e derrotados. E foram.
O capitão América morreu. O sistema – Stark – triunfou.
Stark cai bem como alusão a um Norte de alta tecnologia. E o Capitão América em seu papel sulista é a própria ironia, afinal, se os sulistas lutavam para manter seus escravos cativos, as correntes dos heróis aliados do Capitão América eram suas máscaras, que garantiam sua liberdade.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Milenarismo Arturiano

Se o rei Arthur existiu ou não, ninguém tem certeza. Um guerreiro bretão ou um rei cristão, um debate de uma importância relativamente menor do que os usos políticos que a de se fazer com a imagem do rei lendário.
A "morte" de Arthur teria sido sua viagem a Avalon, após grave ferimento. O povo inglês teria acreditado por muito tempo que Arthur retornaria e expulsaria da Bretanha seus invasores. Como nos EUA, esses "invasores" mudaram ao longo dos séculos: de romanos, a saxões, ou cristãos, logo francos, talvez mesmo vikings, etc...
Essa fé no retorno de um Salvador, que voltaria e governaria por um período de 500 ou 1000 anos seguido plo fim do mundo, era muito comum no pensamento medieval. A França tinha o seu, que competia com o alemão, Portugal teve o rei Sebastião, e por aí vai...
Arthur tem seu arquétipo ligado a justiça. Todas as releituras da Excalibur perpassam um questão de justiça. Isso vai de Cavaleiros do Zodíaco a Harry Potter.
Quando a imagem de Arthur começou a ganhar da do próprio rei inglês Henrique II, "acharam" o túmulo do rei Arthur, junto a sua amada piriguete Guinevere. O sonho do retorno do rei que não morreu estaria acabado. O sonho do retorno do governante justo morreu, e todos passaram a pensar apenas no rei atual. Bem, o azar é todo dele...

Tucídides, o historiador general

A guerra do Peloponeso (431 a 404 a. C.) foi um confronto pós-guerras médicas (gregos x persas) que teria ocorrido entre as duas maiores potências gregas: Atenas e Esparta.
Não se iluda com a visão intelectual-filosófica que Atenas transmite no imaginário atual. Eles tinham exército, ouro e aliados. No entanto, quem leva a melhor na guerra entre os gregos são os espartanos, esse mesmo povo que teria lutado a Batalha de Termópilas décadas e décadas antes. sim, sim a do filme
Termópilas foi e é o símbolo de heroísmo, coragem e disciplina da civilização ocidental: 300 espartanos contra 100 ou 200 mil persas, infligindo perdas terríveis no exército persa. Com o mito Termópilas, os persas são reduzidos a covardes e fracos, e os espartanos são considerados corajosos saiajins.
Mas Tucídides foi o cara que escreveu a Guerra do Peloponeso, que ocorreu muito tempo depois de Termópilas. Esse texto é uma hipótese do que teria levado ele a escrever a história de uma guerra que perdeu.
Com o efeito mito que a batalha de Termópilas deixa no imaginário em mente, podemos deduzir o que levou um general ateniense, que lutou e perdeu a guerra, a registra-la. Tucídides é seco em seu texto. Seu texto possui um apego ao factual que legitima sua versão da guerra do Peloponeso perante qualquer outra versão.
Ele não conta a Guerra do Peloponeso, ele a limita. "A guerra foi só isto". Ele, por exemplo, inicia seu texto descrevendo os dois exércitos. Impossibilita os poetas a cantarem que dez espartanos mataram 1.000 atenienses.
Tucídides limita a vitória espartana ao plano físico, e ganha na batalha da memória. Eis o motivo que aponto para Tucídides ter contado a guerra que perdeu: ele a limitou como uma vitória comum como qualquer outra, e não um evento épico e humilhante.

O fantasma Haiti

O Haiti foi o primeiro de nós, americanos, a conseguir sua independência, a Revolução durou de 1791 a 1804. O fluxo de africanos da ilha era gigantesco, uma vez que a taxa de mortalidade era enorme e a Revolução Haitiana é ligada a isto como nenhuma outra.
O diferencial do Haiti é que a revolução foi feita por escravos. O Haiti se emancipou junto com seus habitantes. A chacina dos brancos levou então ao que nós vamos chamar de Fantasma do Haiti. Um medo que perpassava as colônias (como Cuba) de que os escravos se revoltassem e tomassem o controle do país.
O Haiti ficou lutando a favor da abolição em muitos países americanos, apesar das disputas internas que sucederam a emancipação.
Depois de se tornar independente, o Haiti foi economicamente boicotado por Estados Unidos, França, Espanha e mais uma galera. O maior produtor de açúcar no mundo faliu e só teve sua independência reconhecida décadas depois.
A Revolução Haitiana é vital para que possamos entender o movimento emancipatório americano como um todo.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sound of Silence

Walter Benjamin morreu em 1940. Ele presenciou as Grandes Guerras, cometeu suicídio por causa da segunda. O pensador judeu registrou, brilhantemente, o efeito que a mudança do lidar com a morte causaria na sociedade ocidental.
Para Benjamin as pessoas não sabem mais ter experiências coletivas (do alemão Erfahrung). Apenas o individual é possível, apenas a vivência individual (do alemão Erlebnis). Isso coincide com a decadência da figura do ancião. Os conselhos do velho agora não são mais interiorizados. A perspectiva de uma morte próxima não traz legitimidade ao que está sendo passado.
Para entendermos, um ótimo exemplo é Buenos Aires: um povo altamente politizado. Que se une para fazer passeata, bater panela. Um povo que criou todo um sistema de política que permite essa politização e participação comunitária. No entanto, as pessoas não se olham na cara. Ninguém te diz bom dia, ninguém te ajuda quando perdes a chave do apartamento.
Um lugar com tanta gente que parece tão solitário. Pessoas conversando sem falar. Ouvindo sem escutar. Uma falta de social que somada a falta de missão e noção dentro de um mundo que construímos para nós mesmos pode ser fatal. E quando é nós a batizamos de pós-moderna.
O que acompanha a criação do jornal, que servia para que o Bonjour não fosse desperdiçado com todo mundo no metro parisiense. Acompanha ainda, em 2010, um vendedor dizer "Bom dia" e você o responde com a quantidade de produto que quer.
A música de Simon & Garfunkel, Sons do/e Silêncio expressa essa falta de Erfahrung. Tudo isso por uma mudança de tato com a Morte.

Os EUA ao infinito e além

Os filmes animados Toy Story trazem símbolos muito característicos da nação americana para pensarmos os imaginários construídos com o Destino Manifesto e posteriormente.
E nada mais simbólico no mundo americano do que as estrelas.
A Nação independente do Texas, chamada de Estrela Solitária talvez seja o auge para pensarmos o que a estrela significa.
O simbolismo da estrela representa o que é belo, bonito, perfeito e de certa forma inalcançável. Um exemplo cotidiano: as estrelas de Hollywood. (sentiu a ironia?)
Segundo um professor de história mundial, americano, de South Mecklenburg High School, Porto Rico ainda não foi incorporado aos Estados Unidos da América porque isso mobilizaria uma industria muito grande de novas bandeiras, com 51 estrelas cada.
Cada estrela na bandeira americana representa um estado como na bandeira do Brasil. No entanto, mesmo com um processo americanista, as diferenças entre a dinâmica política do Brasil e dos EUA é diferente ao ponto de não conseguir se imitar perfeitamente nem no simbolismo.
A estrela solitária da bandeira do Brasil representa a capital, já ensinava a professora do pré-escolar, no entanto, a bandeira americana não permite uma hierarquia entre os estados, o que, ao meu ver, evidencia uma política de respeito e colocação no mesmo patamar todos os estados, talvez como um trauma da guerra de Secessão, uma vez que a bandeira anterior tinha uma estrela solitária no meio.
A conquista para o oeste, o primeiro passo rumo ao infinito, traz o estereótipo do Cowboy. O Sheriff Woody (um cowboy de brinquedo) traz no peito o símbolo que lhe confere a representação da ordem do Estado, da Lei: uma estrela.
Estrela que imita as estrelas do céu que, com o mesmo pioneirismo exercido no oeste, os EUA tentam se aproximar “conseguindo” em 1969 chegar a Lua.
O pioneirismo rumo as estrelas também aparece no desenho, com o personagem Buzz Lightear, um brinquedo paranóico que acredita piamente ser de verdade e que pode ir ao espaço.
Com a chegada desse personagem, o novo espírito de conquista (Buzz, o astronauta) confronta-se com o antigo (Woody, o cowboy, o líder da comunidade que formavam os brinquedos de Andy), no entanto, o espírito aventureiro dos dois faz com que se tornem melhores amigos.
Em síntese, o símbolo da estrela aparece com lei, objetivo e um toque missão: os EUA, disciplinado e disciplinador, unido rumo ao infinito, e além.

O primeiro positivista

Bom, pra explicar bem explicadinho (como o Foucault faz, segundo minha mãe), acho que eu devia situar o que é o que chamamos - hoje - de Positivismo.
A história como "nós conhecemos" começou no século XIX. Na Alemanhã, Ranke começa a partir da história a formar uma identidade alemã. Para ele, nós só poderíamos entender os sentidos e o peso de uma história ao analisarmos o todo factual.
O passado estaria vivo nos documentos escritos que sobreviveram ao tempo. A "interpretação" do historiador deveria ser pragmática e concreta. Apenas o fato descrito aconteceu. Hipóteses e, principalmente, outras fontes senão os documentos oficiais não seriam permitidos. Essa "escola metódica" já caiu por terra a um bom tempo. Sua importância está no fato de ter dado origem a História Científica.

Já o Foucault (leia-se "Fu-cô") vai atingir seu auge no século XX. O que ele traz? Para Foucault tudo é uma construção. Construção no sentido de as únicas coisas inerentes aos seres humanos são suas necessidades fisiológicas (todas as três). Todo o resto pode e é apreendido dentro de uma lógica construída. Juntando história e psicanálise, Foucault vai analisar desde as maneiras de se tratar um indivíduo criminoso ao longo dos séculos, sexualidade e loucura.
Dentro da análise de textos, Foucault vai extrair as diferenças que existem entre essas lógicas de pensar de temporalidades diferentes. Foucault analisa a micro-física do poder. Quem tem poder em determinada época? O que é esse poder? Qual o discurso que permite àquele indivíduo ou grupo de indivíduos terem esse poder?
Foucault analisa discursos dentro de sua lógica. O primeiro positivista e o primeiro historiador não-anacrônico de verdade. O primeiro positivista, segundo Paul Veyne, porque ele vai analisar um discurso dentro do "discurso oficial" de determinada sociedade em determinada temporalidade. Enquanto todo mundo se esguelava berrando viva o socialismo, Foucault mostra que a história não se resume a uma luta entre classes, mas vai além disso. Nosso mundo é muito complexo para ser resumido entre mocinhos pobres versus Dracos Malfoy.